Desligou-se a máquina do tempo, perdeu-se o efeito da
passagem na história… perdura o efeito halo das memórias. Terminada que está a
XVI edição da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria, como já vem sendo
hábito, é tempo de fazer as contas… olhar para trás a pensar no futuro.
Ao longo desta pequena/longa (perdoem-me a ousadia em não
poupar nas palavras) reflexão haverá oportunidade para comentários e
perspectivas alternativas relativos a esta edição da Viagem Medieval, com a
devida ponderação de diversos factores práticos e sugestões futuras, rumo à
construção de um conceito mais coeso e apto a dar respostas cada vez mais
adequadas às necessidades do território, das suas gentes e de todos os
intervenientes do projecto.
Num momento em que reinam as memórias e se valoriza o
território, dando importância à concepção de um projecto colectivo, nasce cada
vez mais um novo conceito: a profissionalização.
Um tema “polémico”, que me suscitou MUITAS conversas ao longo do último mês,
com múltiplos intervenientes, e que mais à frente “desbravarei” com maior
incidência prática.
Desta vez, em pleno ano de crise, a Viagem Medieval
apresentou-se com novas reformulações no conceito de bilheteira. De imediato,
poderei dar ênfase a esta nova política, até porque há dois anos, quando se
confirmou o pagamento de entradas em 2011, fui defensor da diferenciação entre
bilhete diário e passe geral. De facto, até poderemos compreender o percurso e
a necessidade de simplificação de processos burocráticos num ano teste, como o
de 2011.
Um passo absolutamente positivo, e que já não pode ser alvo
de críticas ou retrocessos, que apenas peca pela ausência de referenciação do
ano de realização do evento nas pulseiras semanais, que se assumem como
coleccionáveis. Acredito que a solução virá já em 2013.
Desfeitas as dúvidas, aumentou a participação, cresceu a
receita… valorizou-se o projecto. Com mais 3% de visitas face ao ano anterior,
a maior recriação medieval da Europa consolida as suas marcas de
auto-sustentabilidade financeira, podendo, agora, encarar o futuro com novas
perspectivas e novos desafios.
Um pequeno aparte, para uma reflexão sobre a bilheteira e as
questões apresentadas pela meia dúzia de reclamantes compulsivos, ao longo do
processo. Sem o conceito de utilizador pagador, todos pagaríamos a Viagem de
outra forma: impostos. Algo incompatível com os pressupostos assumidos pelas
várias entidades de referência na área em Portugal e absolutamente inválido em
termos de justiça social. Por outro lado, neste modelo, só usa o parque
temático (vá, “evento” para algumas pessoas que recusam o conceito anterior)
quem efectivamente o pretende e está disposto a pagar um valor CLARAMENTE SIMBÓLICO (e quem disser o
contrário não tem a mínima noção dos custos de produção) para um projecto que
em qualquer parte do Mundo seria caracterizado por bilhetes diários acima dos
15/20€ e passes globais nunca abaixo de 50€. Afinal de contas, na Viagem
medieval o visitante paga 2€ por um dia e entre 3€ e 4€ pelo passe global, para
dez dias. Será preciso fazer muitas contas? Não me parece…
Ainda de referir, as colagens… e a replicação de um conceito
socialmente notável. Este ano, pela primeira vez, os quatro principais
projectos medievais nacionais tiveram/terão entrada paga. Mais, dois deles
colaram-se à Viagem Medieval (que manteve o seu alinhamento de datas, apesar do
pequeno ajuste face ao anunciado em Agosto de 2011) e tivemos um fim-de-semana
com 3 mega-recriações em simultâneo. Há ainda uma colagem TOTAL ao modelo e
valores de bilheteira num evento lá para o Reino dos Algarves. Não vou comentar
os resultados de outros… apenas reforçar os resultados de um conceito modelo, a
nível nacional e internacional. Haja mais capacidade de integração e
potenciação de um conceito com uma força única no nosso país (não só a Viagem
Medieval), capaz de criar um roteiro com dois meses completos de actividade em
terras lusas, com vantagens claras para todos os intervenientes em caso de
sintonia.
No que às reclamações quanto aos acessos diz respeito (e
afinal falam duas ou três vozes em centenas de afectados), diz que poderá haver
uma solução a médio prazo. Acredito cada vez mais num novo conceito para o
recinto da Viagem Medieval, mas isso fica para outra ocasião. Quanto aos ditos
reclamantes: depois não se queixem… e não me questionem porquê!
Passemos ao que interessa: à Viagem em si. Aos espectáculos,
às áreas temáticas, aos pormenores logísticos e ao que mais vier à ideia
reforçar e referenciar de uma edição que precisou de um empurrão para acordar,
mas rapidamente assumiu o rótulo de “histórica”.
Comecemos pelo início, pela abertura… pelo dia de estreia e
por um conceito incompreendido.
No dia 2 de Agosto anunciava-se uma inovadora “festa de abertura” para a Viagem
Medieval, que, tal como o programa dizia, apenas teria início pelas 22h, apesar
das áreas alimentares, Feira Franca e Mercado Árabe iniciarem o seu
funcionamento ao final da tarde.
Ouvi duras críticas à música dos séculos XX e XXI que ecoou
no recinto ao fim de tarde e início de noite do dito dia. Obviamente uma
perspectiva questionável e com eventual complicação de percepção por parte de
um público menos apto a conceptualizações e explanação de programa. Mas, o caso
era claro: o evento apenas teria início depois das 22h… assim se poderia ler em
todas as formas de comunicação da Viagem com explicitação dos horários de
funcionamento: “2 de Agosto – 22h à 1h”. Adiante, que há coisas muito mais
interessantes para comentar e explorar.
Ainda neste dia, a festa em si… a abertura… a passagem no
tempo. O passadiço da Praça Nova, palco habitual dos momentos solenes de várias
edições da Viagem Medieval, foi o local escolhido para um conceito altamente
contemporâneo, que nos levou até 1185. Se ao início a sonoridade electrónica e
os ritmos pop/rock do século XXI estranharam ao muito público que acorreu ao
local, rapidamente a dúvida se desvaneceu… era uma espécie de passagem de ano.
Rapidamente chegaram os bailarinos, entraram os lenços
brancos, as passas e a cerveja da Viagem Medieval (edição limitada da Super
Bock)… e eis que tem início a contagem. O pendão 2012 dá lugar ao “Ano da Graça
de 1185” e o fogo-de-artifício nos desvia o olhar. Quando voltamos a atender à
Praça eis que tudo já é medieval… e as personagens são as mesmas. Começava a
Viagem…
Deve dizer-se que este conceito inicial, apesar de algumas
más interpretações, foi bem assimilado e acolhido pelo público. No entanto,
daqui partia a Viagem… aqui tinha início o percurso… e nada foi como até então.
Alguma descoordenação e desconhecimento, mesmo de alguns intervenientes,
levaram a um final atribulado deste espectáculo. Na Atalaia gritou-se “Arraial,
Arraial… Viva El-Rei de Portugal” e tudo acabou subitamente.
Há alguns anos que o conceito de abertura da Viagem Medieval
tem sofrido ajustes, no sentido de o adaptar às novas condicionantes do recinto.
Este ano, uma vez mais, o projecto global não terá sido bem conseguido. É caso
para dizer que a complexidade foi inimiga da perfeição… se tudo se tivesse
limitado à passagem no tempo, o resultado teria sido deveras positivo e
surpreendente. Mas, neste caso, a imagem que passa não terá sido essa. Um ponto
a rever com toda a cautela em edições futuras.
Espectáculo de AberturaDebaixo do pano negro estava a surpresa… de lá saiu a festa: estávamos em 2012, na hora da passagem de ano. Muita luz, animação e alegria com um DJ que nos fez soar um conjunto de músicas contemporâneas, com o mote dos Coldplay. Chegaram os bailarinos e intensificou-se a festa… entretanto fizemos a contagem e eis que vivenciamos o efeito halo no tempo!E de repente estávamos em 1185, nem demos por isso, já que o fogo-de-artifício nos desviou as atenções da máquina do tempo.E depois, a tradição: o falcão, o pergaminho, a leitura, a bandeira e a queimada… estava aberta a Viagem Medieval e seguiu-se um percurso pelos projectos desta edição.De repente um grupo de cavaleiros invadiu o recinto e o público foi arrastado até à Atalaia… onde suou o grito: Arraial, arraial… Viva El-Rei de Portugal!
O primeiro dia ficou, ainda, marcado por uma surpreendente
afluência, algo não habitual na data de abertura, em que a Viagem está a meio
gás, com as áreas temáticas encerradas e grande parte da animação a ter início
apenas no dia seguinte. Mas, este ano, tudo foi diferente… no dia de acesso
livre, as ruas estiveram cheias de visitantes sedentos de conhecer as novidades
desta edição, que se guardaram para o dia seguinte.
Ainda, nesta noite, ficou novamente patente uma das limitações
da Viagem Medieval: a convivência com os bares da cidade. Mesmo sem atender aos
distúrbios, pela madrugada dentro e depois do encerramento do recinto,
altamente noticiados, fica a sensação de completo desrespeito pela Viagem
Medieval da parte de alguns estabelecimentos de diversão nocturna do centro
histórico. Se num dia normal a música não ecoa para a rua de forma
ensurdecedora, porque será o caso diferente quando há eventos, como a Viagem
Medieval ou o Imaginarius? Não é admissível que a autarquia não assuma uma
posição firme face a factos tão absurdos como a audição da música de um bar, de
forma integral e sem ruído, a quase 100 metros de distância e apesar da
animação do recinto. Haja mais acção!
Passada a primeira noite, tinha início a verdadeira Viagem
Medieval, um vasto conjunto de actividades de recriação em diversos domínios
com dezenas de actividades em simultâneo, representando cerca de 1500
apresentações de animação circulante, 170 exibições de espectáculos originais,
num recinto de 33 hectares, que consumiu cerca de 17Km de fitas decorativas.
Números para quê… as imagens valem mais do que mil palavras.
Neste percurso pela Viagem Medieval em Terra de Santa Maria
2012 teremos a explorar diferentes conceitos, diversas abordagens, múltiplas
disciplinas artísticas e dezenas de projectos. Comecemos pelos principais
espectáculos de animação.
A Investida
A Investida nasce da evolução do conceito que definiu a
linha orientadora dos últimos 3 anos em termos de macro-espectáculos de batalha,
nas noites da Viagem Medieval, desviando as atenções do logisticamente
problemático Assalto ao Castelo. No entanto, o projecto abandonado continua a
ser motivo da questão mais frequente relativa ao programa: “quando é o Assalto
ao Castelo?”. Tenho sérias dúvidas em voltar a sugerir tal façanha, tendo
vivido por dentro os “apertos” de várias edições do projecto, mas deixo a
dúvida no ar.
Depois do Assalto ao Arraial, do Fossado e Honra e Glória, o
grau de exigência começa a assumir patamares nunca imaginados, transformando a
missão utópica e hollywoodesca em algo mais palpável e terreno. Assim, em 2012,
num novo modelo conceptual, nasce um espectáculo com o mesmo objectivo de
recriar um ambiente de batalha, com uma abordagem menos preocupada com alinhamentos
teatrais e dando primazia à simulação da realidade da época.
De facto, tudo se poderá resumir a um projecto menos emocional
e mesmo sentimental, para se transformar em algo mais corrosivo e militar. Se
na fase inicial tal se transforma em abordagens de cena mais calmas e pouco
imponentes, na etapa derradeira, o conceito evoluí para um verdadeiro filme ao
vivo, com uma carga emocional e uma capacidade de “agarrar” o público
absolutamente notáveis.
Em resumo, encontramos um espectáculo com preocupação acrescida
nos efeitos especiais e nas temáticas militares, dando menos importância às
questões de palco, sem que essas tenham sido descoradas. A Milícia de Santa
Maria e os seus parceiros de projecto deram vida a um conceito que em muito
eleva o nome da Viagem Medieval, tendo sido alvo de importantes visitas e de
várias descrições de um projecto (o conceito em si) obrigatório em qualquer
edição futura da Viagem Medieval.
Poderei falar de pontos positivos e negativos, num resultado
final que prima pela diferença de um alinhamento que entra na sua quarta edição
e que sem mudança de rumo (embora ténue) entraria rapidamente em desgaste. De
qualquer forma, acredito que ainda não atingimos a meta. Poderemos dizer que
nunca o faremos, mas nunca deixarei de acreditar que é sempre possível mais. Cá
estaremos para acompanhar a evolução.
A extraordinária ovação do público foi sinal da reacção
muito positiva ao projecto e da portentosa adesão a um conceito que já é um
marco em cada edição da Viagem Medieval.
In Illo Tempore
Conceptualmente um projecto verdadeiramente brutal, diria
mesmo sublime. Trata-se da prova viva da capacidade criativa e do know-how residente em Santa Maria da
Feira, no domínio das artes de rua.
De qualquer forma ao longo dos anos, este conceito, que tem
explorado insistentemente o mesmo local para a sua realização, começa a
incorporar estruturas e temas característicos das abordagens contemporâneas ao
espaço público, cada vez mais afastados dos tradicionais conceitos medievais.
Apoio totalmente que tal aconteça, mas, de facto, o recinto começa a
transformar-se numa plataforma de germinação de conceitos congéneres, que
talvez exija mais algum rigor nos figurinos, cenários e elementos de cena, de
forma a não desvirtuar o conceito base da Viagem Medieval.
Isto não representa que tenhamos estado perante um mau
espectáculo, bem pelo contrário. Confesso, abordei com receio a escadaria da
Matriz. Ao fim de cerca de uma década de exploração deste conceito alternativo
nesta escadaria, a cada ano temo a síndrome de repetição. Mas tal não
aconteceu. Nos ensaios havia-me apercebido de uma exploração de mesmo tipo de
movimentos dos anos anteriores, mas o todo compõe o projecto e encontramos uma
globalidade ímpar e absolutamente recomendável.
Falamos de um projecto visualmente fabuloso, musicalmente
fantástico, artisticamente sublime e de uma grande energia e capacidade de
captação de público… e afinal é para o público que existem os espectáculos. No
fim, alguma surpresa e muitos aplausos a uma peça que se desenrola na ligação
entre os quatro elementos essenciais e termina no quinto da lista: a origem
humana… a vida!
Para terminar, a minha dúvida de sempre: porque não se
encaixa um projecto desta natureza, sem limitação criativa no desenvolvimento
de cenários e figurinos, no Imaginarius – Festival Internacional de Teatro de
Rua? Estamos perante um projecto notório de integridade e capacidade de
renovação, mesmo mantendo um alinhamento base de temáticas místicas e o mesmo
local de apresentação. Tantas edições e tantas adaptações serão a prova da
capacidade de entrar numa nova dinâmica… não estará na altura do desafio?
Quanto às sugestões concretas, continuo com a mesma de
sempre. A tal que vai sendo ouvida e melhorada, mas continuamos com a essência
por lá. Temos uma escadaria deslocada à esquerda da rua frontal, o que lhe
retira a viabilidade, algo que poderia ser minimizado pela exploração da área
de jardim frontal à rua, em detrimento da escadaria em si. Porque não
experimentar uma nova abordagem?
Ainda a questão do uso do solo… desta vez, já não posso
apelidar de “abusiva”, mas continua a acontecer, com o público a atropelar-se
para ver mais de perto. Bem, até serve para compreender este sentimento geral
de recepção altamente positiva do projecto.
Segredo da Floresta
Em 2012, a Meia Ponta voltou a explorar um conceito de
espectáculo para um público familiar, no recinto da Viagem Medieval. Depois das
incursões nos ambientes da Coruja, de várias abordagens na Terra dos Sonhos e
de um projecto mais teatral, em 2011, no Claustro do Convento dos Lóios, eis
que é tempo de explorar um espaço mítico da Viagem: a Floresta.
Desta vez rumamos em busca do “Segredo da Floresta”. Ao que
parece, o Rei D. Sancho I encarregou um seu cavaleiro de povoar as Terras de
Santa Maria e para tal será necessário “conquistar” a Floresta, mas não será
fácil. Ouvi dizer que um segredo escondido não permite explicação para o
desaparecimento de todos os visitantes da Aldeia Mágica.
Mas fiz um pacto com os habitantes de tal local… como de lá
saí, nada poderei contar, assim, escuso-me à descrição da sinopse. Limito-me a
concluir que se trata de um conceito mais curto e intenso, com uma história
leve e digerível, apetecível a miúdos e graúdos, sem excepção.
De facto, um pouco abaixo de outras edições. Será o conceito
a acusar algum desgaste?
Torneio
Em 2012, a Viagem Medieval voltou a apostar no regime de
alternância de companhias para a realização do projecto da Liça. Desta vez, a
escolha recaiu sobre os Viv’Arte, uma companhia que se caracteriza pela suas
geniais e genuínas abordagens à Liça, num conceito que tem menos de espectáculo
produzido, para dar mais valor às virtudes da recriação das técnicas militares,
num ambiente absolutamente fenomenal.
Foi apenas uma edição de ausência, mas as saudades já eram
grandes. A última paragem dos Viv’Arte na Feira fora ainda na antiga Liça, com
mais espaço e menor proximidade ao público. Neste novo contexto, o espectáculo
revela uma intensa interacção com o público, sem nunca perder a plena ligação à
época retratada.
Nota negativa para as dificuldades dos primeiros dias, com
alguns espectáculos menos bem conseguidos. Problemas talvez pautados pela
participação da companhia em 3 projectos em simultâneo (Feira, Silves e Açores).
Facto a carecer de intervenção no futuro… a manutenção do conceito de parque
temático deverá exigir das companhias o mesmo grau de complexidade dos
projectos, com os mesmos padrões de entrega, ao longo de todo o evento. No
entanto, a minha avaliação global é bem positiva, não fosse eu fã incondicional
deste projecto de Oliveira do Bairro.
Nesta edição, o programa contemplou Torneios à tarde e à
noite. Como curioso que sou, lá fui observar das duas perspectivas… e a minha
preferência de sempre continua válida: a tarde. O ambiente pitoresco do
pôr-do-sol permite a obtenção de uma carga emocional fenomenal, algo que à
noite nem com as luzes é conseguido. Fica a esperança na continuidade do
conceito nos próximos anos.
Juízo de Deus
Em 2012, o recinto da Viagem sofreu algumas mudanças, com a
alternância de companhias entre espaços. Assim, nesta edição, a Espada Lusitana
passou a ocupar as imediações e o interior do Castelo, dando vida a uma dupla
recriação diária de um Juízo de Deus, no exterior do monumento nacional.
De exaltar a excelência do projecto e a integridade das
exibições, mas, desta vez, soube a pouco. Todos os dias, pelas 19h, uma pequena
multidão subiu ao Castelo na expectativa de encontrar um projecto substituto da
“Peleja”, com que em 2011 fechavam as tardes da Viagem Medieval. Mas acabamos
por encontrar um excelente projecto a que já nos habituamos, noutras ocasiões,
em ambiente de menor destaque, mas de menor impacto visual e sonoro.
Esta será uma crítica ao alinhamento do programa geral e não
ao espectáculo da Espada Lusitana em si, mas não posso deixar de referir que centenas
de pessoas saíram, todos os dias, do Castelo com saudades de um grande
espectáculo com irreverentes movimentos e a adrenalina suficiente para marcar
de forma vincada o final da primeira etapa diária do recinto da Viagem. Fica a
sugestão para 2013… o regresso do headliner
do final de tarde às imediações do Castelo da Feira.
Mezcla
A Mezcla é uma espécie de encerramento, um ritual de fogo,
um projecto de grande porte. Apenas a estrutura de cena per se tem a capacidade de dar nas vistas. Somando os figurinos o
projecto ganha ainda mais vida. Mas parece que falta algo…
Como ouvi pelo recinto, parece que voltamos atrás no tempo…
mas no tempo actual. Está na hora de explorar novas abordagens e novos
conceitos: porque temos sempre de conceptualizar os projectos com base num
conceito de escadaria? E o telhado da piscina ali a olhar para nós, com uma
fabulosa visibilidade… tanta, que bastava ao público d’A Investida rodar 180
graus para poder observar o espectáculo que se seguia.
Mais um projecto que vive à custa de conceitos míticos e
místicos, capazes de povoar o imaginário dos visitantes, desbravando aquilo que
acima já descrevi: o excesso de exploração de conceitos artísticos
contemporâneos da ocupação do espaço público.
Em resumo, nesta equipa fica patente um enorme potencial,
mas evitem-se as replicações de linhas conceptuais. Venha inovação… já em 2013!
Por outro lado, tal como com o caso dos Saltarellus, em In
Illo tempore, porque não tirar partido deste know-how no Imaginarius e fazer da
Viagem um conceito mais íntegro?
Na Sombra de Meu Pai
Devo começar por relembrar que há muito que encaro o
Claustro do Convento dos Lóios como um dos palcos potenciais para uma visão
estratégica integrada para as artes de rua e performativas em Santa Maria da
Feira, sendo que em 2011 aquando do anúncio da exploração deste espaço para a abordagem
de conceitos cénicos alternativos, capazes de representar os sentimentos menos
expressos da vida de um Rei, senti um enorme contentamento. Em 2011,
assistimos, pela mão da Meia Ponta, a um espectáculo soft e de linguagem contemporânea, que muito agradou ao público.
Mas este ano damos um salto memorável.
A Lourocoop e os seus parceiros estão de parabéns, pela
excelência e profissionalismo de um conceito absolutamente impressionante e
digno de registo. Uma fenomenal dinâmica envolve todos os 90 minutos do
espectáculo, com a exploração das mais variadas sensações. O espectáculo
caracteriza-se por uma notável carga emocional transmitida ao público, que faz
com que, apesar da sua longa duração, o transforme em algo agradável e com
enorme capacidade de agarrar o público.
Uma portentosa banda sonora dá o mote para transições de cena
notavelmente dinâmicas, num ambiente cénico único e abordando um esquema de
movimentações peculiar. Apesar do conceito mais histórico e fechado, a peça
consegue apresentar movimentos contemporâneos e vanguardistas, que lhe conferem
um carácter versatilmente actual. Em resumo, uma curiosa linguagem cénica abre
portas a um conjunto absolutamente recomendável. Impressionante!
Terminada a viagem pelos principais projectos âncora,
poderemos encarar o lay-out onde tudo
acontece: o recinto. Em 2012, as mudanças mais significativas aconteceram ao
nível do Parque da Cidade, onde a margem esquerda do rio Cáster foi alvo de uma
curiosa renovação de figurinos e actividades, apesar da manutenção da zona de
espectáculo e da zona de jogos medievais.
O Povoado
representa a aproximação ao topo da pirâmide. Há muitos anos que se tentava
efectuar uma abordagem plena de uma aldeia ou povoado medieval, com resultados
habitualmente negativos. Desta vez, tudo foi diferente… tudo foi eficaz. A
integração do conceito de aldeia com as Ordens Militares e os ofícios da época
resultou numa extraordinária proposta para o público, num ambiente de dinâmica
constante. Nota absolutamente positiva.
Ainda no que às áreas temáticas diz respeito, nesta edição,
devo destacar o espaço Sentir do
Guerreiro, que é já uma tradição e um marco a cada edição da Viagem
Medieval. Em 2012, o conceito sofreu largas inovações, dando mais força à
adrenalina e ao espírito de aventura, com novas pontes e actividades, possibilitando,
ainda, aos mais novos uma curiosa aventura rumo à salvação de um Rei anão.
Destaque gigante para o novo conceito de vivências aplicado
ao Castelo da Rainha D. Dulce que em
grande medida tirou partido da experiência e conhecimento de história medieval
da Espada Lusitana, para se obter um resultado, que não sendo excelente, inicia
um percurso construtivo rumo a uma nova e pragmática exploração do ex-líbris da
Viagem Medieval, tão esquecido nas últimas edições.
Continuando o percurso, chego ao Mercado Árabe… um problema. Não poderemos negar o impacto
extremamente positivo na atracção de público desta área, mas com conceitos não
medievais tão à vista de qualquer um (bem, como referenciar o medieval para
estes povos?) e por vezes desfasados em completo do alinhamento do projecto
Viagem, ficam certezas quanto à necessidade de alguns ajustes.
De notar positivamente o alargamento do espaço de circulação
ao nível da rua, evitando os habituais congestionamentos. Por outro lado, o
mercado municipal em si continua a “morrer”, dissolvido num conceito que tenta
coabitar com residentes habituais, numa ligação pouco linear e nada produtiva.
Ainda no domínio Árabe, o acampamento Al Mukhaiam volta a repetir conceitos anteriormente explorados, num
espaço quase vazio e com reduzida animação, que continua a dotar uma área do
Parque da Cidade a um certo abandono pelo público. De qualquer forma, e apesar
dos pontos negativos, acredito que este elemento cenográfico por si só tem
força suficiente para garantir a sua marca de presença na Viagem Medieval,
sendo um dos locais obrigatórios de passagem, nem que à distância, para
qualquer forasteiro medieval.
Um conjunto vasto de espaços, com ligeiros ajustes, manteve
o alinhamento de anteriores edições, tais como: Treino de Escudeiros, Lago dos
Feitiços, Subida às Ameias, Barreira de Tiro com Arco, Passeio nas Montadas,
Passeios de Carroça, Moinho de Papel, Feira Franca, Pequenos Guerreiros (agora
complementado com o espaço Pequenos Artistas) e mesmo a Liça. No seu conjunto,
denotam um recinto maduro e íntegro, que talvez comece a dar sinais de
necessidade de alguma inovação. Uma missão complexa, que acredito tenha
desenvolvimentos nos próximos anos.
À 16ª edição, a Viagem Medieval reforçou a aposta na animação, alargando os horários das
actuações. Desta feita, tudo teve início às 15h e em certos dias só às 2h da
madrugada seguinte encerrou o programa. No entanto, as consequências do
alargamento ficaram patentes na diminuição da dinâmica de circulação, em
especial nos primeiros dias. Com o decurso do evento a questão teve evolução,
no sentido positivo.
Apesar disso, a falta de animação circulante foi, este ano,
uma das principais críticas, mas talvez haja explicação para isso. Pela
primeira vez, a animação não foi focalizada nas zonas alimentares, facto em
grande parte sustentado pela criação de 3 Praças de animação no recinto. Assim,
o tradicional visitante do “porco no espeto” terá eventualmente sentido a
diferença. Mas quanto a esta mudança estou completamente de acordo… haja mais
vida no recinto, muito para além das hiper-congestionadas tabernas. Curioso que
se fala em crise e nos preços dos bilhetes de entrada, mas a dinâmica comercial
ao nível continuou intocável.
E já que falamos em animação circulante, porque não destacar
alguns projectos deste ano? Não poderei descrever todos os que se apresentaram,
por motivo óbvios, mas irei destacar um reduzido número por situações muito
concretas.
Projecto EZ
Fantabulástico… é esta a “palavra” que se me apraz dizer. O
recém-criado projecto EZ apresentou na Viagem Medieval a estreia da sua nova
produção.
Da engenhosa mente do feirense João Pinto nasceu esta
imponente e desastrada catapulta que ao longo de dez dias povoou o recinto da
Viagem Medieval, com muitas aventuras e desventuras, explorando os recantos e
interagindo de forma surpreendente com o público. A reacção dos espectadores foi
de surpresa total, ao dar de caras com esta engenhoca literalmente desgovernada
a descer as ruas do centro histórico de Santa Maria da Feira.
É caso para dizer: tenham cuidado… tenham muito cuidado!
Curinga
O projecto de música medieval feirense Curinga apresentou-se
nesta edição da Viagem medieval com novos figurinos e na sombra do seu recente
álbum. A irreverência falou bem alto, quer nas apresentações que nos efeitos de
animação.
Nos concertos, a interacção com o público foi absolutamente
notória, abrindo portas a grandes aventuras no futuro… espera-se em palcos bem
maiores.
No último dia, em pleno cortejo, fomos surpreendidos por uma
abordagem inédita: toda a banda se apresentou com indumentária feminina, sendo
o centro das atenções do núcleo musical em que seguiam incluídos. Parabéns!
S.A. Marionetas
Os S.A. Marionetas (Marionetas de Alcobaça) apresentaram na
Viagem Medieval, em estreia absoluta, o seu mais recente projecto “D. Sancho I
– O Povoador”, com a participação especial de Rui Sousa (Marionetas da Feira).
O projecto dedicado ao público infantil fez furor nesta edição da Viagem, com
uma extrema capacidade de incluir no conceito todo um público familiar, ao
incorporar piadas que de inocentes nada têm, dando vida a um exemplar conceito
vanguardista de utilização de técnicas de animação tradicionais.
A participação das bandas internacionais Els Berros de la Cort, Jabardeus e Waraok começa a ficar marcada pelo carácter repetitivo e menor grau
de apoio do público. De facto, alguns destes projectos apresentam-se na Feira
há mais de meia década consecutiva. Na minha opinião, estaria na altura de
pausar alguns deles, abrindo portas a outros projectos, como os aveirenses
Tuttis Catraputtis ou mesmo os italianos Barbarian Pipe Band. Bem, há outro
nome na lista, mas as utopias ficam para outras ocasiões.
Mas a Viagem Medieval não é só animação. O programa
sustenta-se num alinhamento histórico restrito, ancorado por um conjunto de
espectáculos de recriação que, embora sejam de maior rigor histórico, não
deixam de atender a uma perspectiva mais ligeira e actual da história medieval
portuguesa.
Assim, o Castelo foi o local eleito para as 3
representações, com duas apresentações de cada uma delas… e aqui entra a minha
questão dos primeiros parágrafos: a profissionalização.
Algumas das apresentações, fruto de actividade amadora de
colectividades locais, ficaram marcadas por problemas dramáticos no som, alguns
erros de iluminação e mesmo dificuldades de cena. Questões que a este nível, na
gigantesca Viagem Medieval, não são dignos para nenhuma das partes.
É obvio que devemos salientar o amadorismo e o voluntarismo dos intervenientes, mas
cada vez mais o profissionalismo tem de ser a palavra de ordem. Não poderemos
fazer por fazer… temos de fazer bem! Como eu costumo dizer, e porque não poderemos
ter milhares de profissionais das artes na Feira, teremos de encarar a
existência de “profissionais de final de dia” que usam da sua paixão para
produzir com garra, energia e profissionalismo, com o devido tempo para os
ensaios e pré-produção. Espero que esta possa ser a marca de próximas edições,
demonstrando cada vez mais a capacidade e o Know-how
acumulados em Terras de Santa Maria.
Notas finais para algumas questões mais logísticas e que
talvez passem despercebidas a alguns dos visitantes, em especial aos menos
habituais.
Em primeiro, uma nota extraordinariamente positiva para uma crítica
pesada nas últimas edições: a limpeza do recinto. Este ano, uma empresa externa
assumiu em continuidade essa função, com resultados espantosos e quase sem dar
nas vistas.
Em segundo, uma nota extremamente negativa. O Restaurante
instalado junto ao Castelo instalou-se numa estrutura “camião”, coberta por
panos. Mas que raio vem a ser isto? Medieval? Hum, neste ponto parece-me que há
muito a trabalhar.
Por último, os desdobráveis e a dificuldade de compreensão
do programa. Este ano, ouvi inúmeros comentários relativos à dificuldade de
leitura do flyer da Viagem Medieval.
Na verdade, o modelo tem já doze anos de existência e aplicava-se na perfeição
em 2000. Hoje, com um programa tão vasto e complexo, talvez se justifique uma
revisão nesse formato, adaptando-o, eventualmente, a algo mais simples, que
permita uma exposição linear dos projectos e espectáculos, permitindo uma maior
fluidez na leitura e compreensão dos projectos.
Registe-se com enorme entusiasmo a perspectiva de
perpetuação no tempo da Viagem Medieval no tempo, que há muito venho
defendendo. Este ano, o passadiço da
Praça Nova não será desmontado, mantendo vivas as memórias e permitindo a
localização exacta, durante todo o ano, do centro nevrálgico do recinto da
maior recriação medieval da Europa.
No fim, seria talvez altura de lançar desafios… mas, desta
vez, já os fui deixando em cada uma das secções anteriores. Resta reforçar a
ideia global: a profissionalização, o ajuste dos conflitos com o centro
histórico e o reforço da integridade cenográfica do recinto. E como gosto
sempre de lançar uma pedrinha… numa altura em que muitos falam insistentemente
da limitação temporal da Viagem, e mesmo tendo presente todas as limitações e
constrangimentos da minha proposta, porque não dar mais uma semana de vida ao
projecto? Deixo no ar uma Viagem Medieval com 18 dias de duração… e, de facto,
foi o que, desta vez, fizemos no Krónikas Feirenses e no Medieval SMF. Talvez
daqui a 3 ou 4 anos tal seja possível concretizar…
Assim, 18 dias exactos após a abertura da XVI edição da
Viagem Medieval em Terra de Santa Maria, encerra a reportagem, tendo início a
aventura rumo a 2013. Neste percurso poderão contar com o auxílio do Projecto
Bússola (mais novidades nas próximas semanas) que deixa, desde já, a pulseira memória,
numa parceria com Ivo Maia Designers. Voltamos a Viajar em 2013…
Em resumo, poderei afirmar que a edição 2012 da Viagem
Medieval em Terra de Santa Maria nos revelou um vasto conjunto de surpresas e
inovações, que em grande medida engrandeceram o potencial criativo local, sendo
que algumas delas não serão propriamente dignas de uma gigantesca viagem no
tempo, tendo valor acrescido em outros projectos, como o Imaginarius ou mesmo a
Terra dos Sonhos.
A partir do segundo dia, encontramos um parque temático mais
coeso e íntegro, onde, pela primeira vez, podemos recorrer à programação
integral de algumas praças e a animação circulante teve início com a abertura
do recinto. Na edição mais participada de sempre, alguns conceitos bem
originais deram vida a um recinto a fervilhar de emoções e sensações extremas.
O efeito passou… a máquina do tempo voltou a descansar. Acabamos de regressar ao século XXI, ao ano 2012. Durante 12 meses a época medieval não passará de um conjunto de memórias. Mas, acredito que possa ser mais do que isso… acredito que a época medieval, o burburinho, as cores e os cheiros poderão estar vivos em apontamentos durante todo o ano.
A Viagem é nossa, a
Viagem faz parte de nós!
A Viagem não termina
aqui… Este lugar é do tempo, vamos vivê-lo juntos… ao longo de TODO o ano.